“Se eu falar, a minha dor não cessa, e, calando-me eu, qual é o meu alívio? […] Pois estou prestes a cair, e minha dor é permanente.” (Jó 16, 6; Sl 38, 17)
Se alguém te perguntasse: “afinal de contas, o que te faz, por vezes, sentir-te como os que vivem ou estão à revelia?”, o que responderias? O que marca a dor? A dor marca um tempo, feito de um antes, durante e um depois. Por quais vias a dor deixa marcas? Por acontecimentos vividos ou até por aqueles sentidos, embora fantasmados. Por quem a dor é admitida? Por quem lhe tenha dado espaço. Assim, ela se torna instalada. Se alguém já disse que “o melhor da vida é viver na gratuidade”, por que há quem se destine a renovar o espaço da dor ali onde ela mais intensamente tenha sido marcada? Exemplo: por que renovar, em atos constantes, o traço da dor do que já se deveria ter superado? Que marca é esta, cuja releitura reiteradas vezes está sendo formalizada? Não haveria nisso uma “curtição”, algo da ordem de uma morbidez cultivada? Por que dessa marca não consegues te distanciar? O que tenha sido marcado, por um tempo, não seria já o momento de fazer ultrapassagem? O que se há de fazer para que, ao menos, uma lição da dor se obtenha, ao invés de renová-la ao longo dos próximos acontecimentos? Por que se diz que a dor educa e até salva? A educação que passa pela dor encontra na sua superação qual motivação? E quem da dor é detentor encontra nisso qual valor? Se a dor é inerente à humana condição, é preciso encontrar um lugar onde ela não se torne um elemento balizador, orientador de toda uma vida em tudo que essa vida queira realizar. Se a dor tem seu lugar, que seja isto preciso e bem específico, a fim de que ela não ganhe uma dimensão maior do que a que lhe é devida. O que não concerne à dor é o que mais ao homem é devido. Não fomos criados para sofrer ou não sofrer, mas para viver com dignidade. Criados fomos para amar, embora por amar possamos também sofrer. Por que marca a dor? Por quem a dor é marcada? Por que se diz que a dor educa e até salva? Se a dor tem seu lugar, convém que este seja bem preciso e específico, repito, e que não faças dela um elemento norteador do que na vida tens de mais caro, pois isto não faria, para viver, nenhum sentido.
(Pe. Airton)