“Lembra: não vieste a este mundo administrar coisas, mas para, por meio das coisas, realizar um projeto de forma consequente. Procura viver com equilíbrio. Não te digo viver com perfeição, pois a via perfeita existe no ideal de quem busca, mas administrando o que existe e o que ainda está em vias de vir a ser. Dizemos, então, que vivemos entre o já e o ainda não. Isso traz consigo uma cota de tensão. O ideal existe enquanto meta a ser alcançada, mas o real com que vivemos, com este real, afinal de contas, é que teremos de contar. Todavia, se disso não fazes conta e aumentas mais as tuas contas, essas de que nem queres mais falar, afinal de contas, com o que há de se contar? Considera isto que te digo: o que conta, senão a tua vida, tua realização, na superação de teus limites? Pois plenitude somente em Deus, um dia, na Consumação. Não é uma proposta inválida, inútil, a que estou te fazendo: administra-te e administrarás os acontecimentos, no teu cotidiano, à proporção que eles forem acontecendo. Contudo, lembra-te do que te disse anteriormente: traça um sentido para viver. Depois, vive com simplicidade. Não busques, em nada, ser dono da verdade, pois a Verdade é uma só pessoa: Cristo Jesus, felizmente.” (Pe. Airton Freire)
“A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria; emprega tudo o que possuis na aquisição de entendimento”. (Prov 4, 7)
Quando, inesperadamente, tu fores percebendo tua vida se esvaziando de determinados conteúdos, em razão de certos acontecimentos, e não vires saída para o que tiveres ainda pela frente; quando determinada situação fizer a tua alma sentir-se isolada, ou pior ainda, exilada; quando os céus se tornarem de chumbo e as tuas preces não parecerem ser escutadas – e, até para entrar em prece, a tua alma se sentir desolada -, considera que a esperança, neste momento, já estará em estado adiantado de ser açoitada. Será preciso, então, parar para saber, exatamente, por quais vias continuar, porque, se quiseres ir em frente, precisarás também dar um tempo a fim de que possas recomeçar, com novo alento, pontuando o que deixaste de cumprir. Contudo, lembra-te de não enfatizar, demasiadamente, qualquer elemento, mesmo em contextos diferentes; isto te levaria a não perceber contornos outros na mesma realidade existentes. É preciso, então, na vida, fazer paradas a fim de que a alma se sinta aquietada e possa avaliar os passos dados, até então, ao longo da estrada. Quem sempre quer ir em frente, sem parar, a muito longe não poderá ir com seu projeto, pois, um dia, em algum ponto, ele será rasurado.
Se tu queres cultivar a esperança, trabalha para aquilo que te dá paz. O que em ti resulta em formas diversas de viver uma não contida ânsia não merece confiança. “Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e assíduos na oração” (Rm 12,12). Mas, se em tua vida, sentires como os que se percebem por si mesmos ou pela própria realidade esquecidos; se, de antigos ideais, afastado estás, e um cansaço, aos poucos, começa a tomar-te, lembra-te de que necessitas de uma parada, a fim de que possas retornar ao veio dos acontecimentos com clara decisão. Da forma como se está nem sempre é possível continuar, e não é sempre dirigindo, pedalando ou caminhando que progressos, na vida, haverás de realizar. É, por vezes, parando e avaliando que tens a ciência de teu potencial e falhas. Assim, há de se saber como prosseguir ou como parar, como reter ou como avançar, até quando ir ou quando mudar. A razão disso logo há de se perceber.
Não faz sentido viver para o que ainda não é, o que nem sabemos se será, pois o que não é fato ainda evidente só faz sentido se mantiver-se conectado com tudo o que garanta a continuidade deste mesmo sentido. Para tanto, nossos atos precisam estar preparados tanto para os acontecimentos com os quais contamos de imediato e o que deles são decorrentes, quanto para os que não obedecem aos antigos e melhores intentos. Também sabemos que tudo o que fazemos desdobra-se em outros elementos que poderão atingir, positiva ou negativamente, os que estão presentes ou aqueles que estão ausentes. E tais atos poderão ter consequências imediatas ou futuras.
É preciso e faz sentido ser bem preciso, mesmo diante do indevido de atos não pensados, mas realizados em tão diferentes momentos. Todavia, viver em função do que não é e nem se sabe se será, esquecendo-se de viver o presente, o maior presente que se tem presente, sentido algum nisso há.
O dado de realidade é o teu presente, o que faz teu “aqui e agora”, isto que tu tens atualmente. É dele que as coisas decorrerão. Não podes viver em função de um depois, queimando etapas, precisamente a que estás vivendo agora. Isso em nada te ajudará e pode até te atrapalhar. Esperar o que ainda não é – e que não se sabe se virá a ser – e não viver intensamente o teu presente, do qual depende o teu futuro, é perda de tempo. Se a isto que agora te digo deres a devida atenção, viverás, em atos consequentes, intensamente, o teu presente, sabendo que tudo o que vives atualmente influenciará não só este presente. Há muito ainda a se fazer, muito ainda a ser construído, e, por algo impensado, não venhas tu a destruir o que potencialmente existe para emergir.
Vive intensamente o teu presente; nunca em função de um depois. Todavia, não deixes de levar em consideração que tudo o que fizeres, no presente, influenciará o futuro, positiva ou negativamente.
Pe. Airton Freire