“Dá-me um tempo para dissipar toda amargura, para voltar a acreditar e a retomar os laços de ternura. Eu preciso de um tempo. Tu precisas de um tempo para descobrir que tens, até, pouco tempo, que por muito tempo estiveste a dissipar. Agora, chegado o momento, lembra-te do que já disse: se a medida vier a saturar, não há como mais retroceder, não há como mais continuar. Se a medida vier a saturar pensa forte e grandemente. Sofrerás ou alegrar-te-ás com o resultado de teus atos consequentes ou inconsequentes. Lembra-te de que, para tudo, há um tempo: tempo de plantar e tempo de colher, tempo de abraçar e tempo de se separar, tempo de sorrir e tempo de chorar, tempo de fazer morrer e tempo de fazer nascer, tempo de guerra e tempo de paz (cf. Ecles 2).” (Pe. Airton Freire)
“A ti, somente a ti, nunca a mim, possam meus atos revelar. Qual vidraça na qual incide a luz, seja eu travessia e não ponto de partida do clarão que vem de ti. A mim, cabe a transparência da vidraça, para que nada possa opor-se à passagem do feixe luminoso. Apresentar como meu o que é teu é indébita apropriação. Pois sei que, em toda posse, há uma ferida de ilusão.
Teu instrumento preciso ser. Na grande carpintaria que é este mundo, tu sabes onde eu estou. Onde quiseres, como quiseres, quando quiseres, podes de mim dispor. Para ser teu instrumento, sirvo, em específico, instrumento do teu coração. Se quiseres, serei martelo, lixadeira ou formão. Sirvo para o que quiseres, se me tiveres à mão. A cooperar na tua obra, disponho-me de antemão.
Imprescindível, não sou. Passarei a qualquer momento. Depois de um tempo ou de algum tempo, não de mim precisarás, mas, de um outro instrumento, utilizar-te-ás. Aí, devolver-me-ás. Pode ser que me coloques na prateleira ou no chão. Pode ser que, numa gaveta, “fique esquecido um tempo”. Tua é a carpintaria. E eu? Um instrumento só à tua disposição.
Agradecido sou e, ad infinitum, a ti, serei, por me teres, do nada, chamado-me à existência. O que eu fizer não será suficiente, ainda aqui, para te agradecer. E assim procurarei fazê-lo, enquanto viver.
Sou hospedeiro teu na terra que é tua, e tu te fizeste hóspede de mim. Sou criatura, e tu me quiseste irmão. Sendo eu estrangeiro, e tu, o Filho, tornaste-me participante da filiação.
Pasmo, então, descubro que o tempo passa, e a única vez que tenho de amar é esta. O amor que se seguirá a este tempo decorre do que eu tiver aqui amado. Sei que uma vez só – e só esta – viverei aqui. Inútil será, pois, todo o tempo não vivido para ti, em ti e por ti. Depois, passarei. Tu, o único que não passa, viverás. Viverei, então, enquanto, em ti, viver. Serei mais plenamente eu, à medida que te farei pleno em mim.
Deixarei, à minha passagem, o sinal de que me amaste e de que amei a ti. É minha contribuição para este mundo. Disso, outros saberão e louvarão teu nome. Depois, do lado de onde, ad semper, estiveste e onde estarei contigo, continuaremos a realidade que nada separa. Um ao outro, unidos, estaremos. Partes de um só corpo, seremos. A história continuará, contudo. A realidade de teu coração realizará ainda muitos resgates na terra dos homens. E, com cada nova criatura que vier a nascer, nascerá a esperança de que, um dia, como eu te conheci, ela também venha a te conhecer.
Coração Santo, eu que vivo ainda nos teus campos, que de mim sei enquanto sei de ti, responde, ainda esta vez, a mim: como podes tu me amar tanto e continuar eu a ser assim?”
Pe. Airton Freire